Romance Folhetim Virtual

quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

A Morte de Leandro Soares - capítulo 2

Quando cheguei ao endereço, abri o envelope e retirei as chaves. Não parecia nada mal. Um daqueles prédios antigos do Humaitá em que todos os moradores parecem estar acima de qualquer suspeita. O apartamento era razoável, a não ser pela decoração excessivamente carregada no vermelho. Ao entrar, minha primeira providência foi remover aquele tapete de mau gosto e todo empoeirado, salvando assim os meus pulmões de serem invadidos por uma horda de ácaros.

Eu precisava beber alguma coisa e quando encontrei aquele uísque 12 anos em cima da mesa, percebi que a pessoa que estava armando tudo aquilo parecia me conhecer melhor do que eu imaginava.

Sem ter o que fazer, liguei a televisão, e as notícias eram uma mistura daquilo que está sempre acontecendo com aquilo que se está sempre esperando que aconteça. Servi mais uma dose do uísque, tirei os sapatos, deitei no sofá e decidi aceitar qualquer coisa que a programação da TV aberta pudesse me oferecer, pois no apartamento não havia qualquer resquício de TV a cabo ou mesmo DVDs. Em cima da mesa de centro havia uma bombonière cheia de chocolates, e aquilo me pareceu uma ótima idéia para rebater com o uísque. Mas quando abri e percebi que se tratava de chocolates nacionais, constatei que a pessoa que havia armado tudo aquilo talvez não me conhecesse tão bem quanto eu estava imaginando.

Súbito, tive a impressão de ter ouvido um barulho do lado de fora do apartamento. Corri até a janela e logo percebi se tratar do barulho das folhas das árvores farfalhando. Aquela espera sem saber o que fazer é que me angustiava. Como Morfeu me oferecia seus braços tanto quanto a Vênus de Milo poderia fazê-lo, decidi sair de casa atrás de mais pistas. Eu não ia mesmo conseguir pregar os olhos àquela hora. Conferi se a automática estava carregada, peguei o carro e pisei fundo até Copacabana. Sabia de um lugar aonde certamente eu não faria uma viagem perdida...

Copacabana é o manto perfeito para ocultar qualquer coisa. São tantos prédios, tantos apartamentos, tantos carros e tantas senhoras que ninguém sabe de fato o que acontece em Copacabana. E é lá que fica o Tomé’s, o tipo do lugar mal afamado onde sempre se pode ir para arranjar confusão. É lá que se fumam os melhores charutos e se fecham os melhores negócios, não necessariamente nessa ordem. Ao chegar, deixei a chave do meu carro com o manobrista e tomei fôlego. O lugar estava cheio, como de costume – sobretudo por ser dia de semana. Gatos ou cachorros, ali eram todos pardos. Seja pela meia luz, seja pela fumaça constante, o Tomé’s é um lugar que inebria a todos que nele adentram. Quem estava lá era o velho P. Fofé, figurinha fácil do lugar, sempre arranjando confusão com o barman.

- Eu paguei por uma dose dupla meu amigo! Se isso aqui é uma dose dupla então eu já não sei mais nem que sou eu! – dizia ele com aquele ar de quem chegou depois, mas já sabendo de tudo.

Caminhei até a mesa do fundo onde sabia que poderia encontrar respostas. O cacife estava sobre a mesa, e o jogo prestes a começar – eu havia chegado em boa hora. Numa ponta estava sentado Joseph Tomé, o segundo homem do lugar; na outra ponta um homem de meia idade vestindo um terno de riscas e um chapéu panamá; no meio, com o cigarro pendurado nos lábios, estava um italiano, até então completamente desconhecido a mim.

- Onde está seu irmão? – perguntei.

- Não veio hoje, ele anda um pouco cansado – respondeu Joseph.

- Mas o que é que pode estar dando esse cansaço nele?

A essa pergunta Joseph não respondeu e apenas distribuiu as cartas.

- Vai jogar uma conosco, não vai? – perguntou após, mecanicamente, ter distribuído todas as cartas.

- E como eu poderia recusar a uma mesa onde só falta um jogador?

- A cordialidade é a alma do Poker – disse o italiano.

Foi quando suspeitei que na Itália não se tenha mais o costume de jogar poker.

A sorte simpatizou comigo na primeira mão – o que eu sabia não ser bom sinal. Mas pelo menos me animou para a partida com o italiano, a essa altura já com cara de blefe.

Todos fizeram suas apostas.

- Você já sabe que estou sendo procurado, não sabe? – perguntei direto e reto, sem me importar com os outros convivas.

- Do contrário eu jamais lhe ofereceria uma cadeira em minha mesa – respondeu Joseph em tom arrogante enquanto virava a primeira carta – as notícias chegam rápido em Copacabana.

Quando havia terminado o flop, eu já estava suando frio – graças às palavras de Joseph – e o italiano sorria largo – graças às cartas na mesa ou ao inerente talento para blefar que têm os italianos.

Aquilo me deu uma trinca, a mão era boa, resolvi continuar.

- Você não acreditou no que ouviu, acreditou? Estou fora da jogada há muito tempo. Que razão teria eu para voltar à ativa?

- Imaginei que você fosse dizer isso – retrucou Joseph – mas vamos combinar que a sua situação é delicada.

- Você acha que pode ter alguma coisa a ver com o caso da mulher serpente?

- Não, certamente que não... Aquilo são águas passadas.

- Joseph... Sem querer você me deu uma ótima idéia. – concluí.

Mais uma rodada de apostas, e o turn não melhorou em nada a minha situação. Mas resolvi aproveitar a maré de sorte da mão inicial, mesmo sabendo que uma trinca de ases não poderia fazer muito estrago numa mesa como aquela.

Quando veio o river, os olhos do italiano brilharam. Enquanto isso eu fazia um full house. Que diabos poderia ter aquele italiano? Paguei para ver e o italiano sorria com aquele lábio nervoso ao mostrar – com orgulho – o flush que havia conseguido fazer.

- Full house – respondi peremptório enquanto levantava – e estou indo para as Docas. Sei que lá estão as respostas que procuro.

- Sente-se aí e não se mova! – disse surpreendentemente o homem de chapéu panamá e riscas, apontando uma arma em minha direção.

A figura, que até então havia ficado calada, tinha uma certa gravidade na fala. Isso somado a uma pitada de charme e aos eficazes meios persuasivos dos quais estava se valendo foi o suficiente para que eu sentasse com toda a calma e pedisse mais uma mão.

- Vamos jogar, Leandro. Vamos jogar até o final, Leandro Soares.

Joseph olhou para o lado surpreso e sem poder fazer nada. O italiano, tão absorto em seu blefe, pareceu nem se importar com o que estava acontecendo. O homem de panamá e riscas colocou delicadamente a arma sobre a mesa e me lançou um último olhar ameaçador, que garantiria a minha permanência naquela mesa por muitas horas mais.

Recebi as cartas, acendi um cigarro e tive a certeza de que, a partir de então, eu definitivamente estava frito.


Continua...